Paulo David
Paisagem

[14.11.2015 - 26.01.2016]
Galeria Câmara Escura

  • Texto: Sofia Pinto Basto

    “Paisagem” é uma exposição que convoca dois momentos. Um primeiro momento, da elaboração das quatro intervenções e um segundo momento, actual, que é o da representação destes quatro projectos.

    A estes dois níveis coloca-se a questão que ee cummings levanta: os dedos que atormentam a terra, a mão do filósofo ou do arquitecto. Trata-se do modo como se toca a Terra, a imposição de modelos científicos e filosóficos sobre a natureza ou, aqui especificamente, a intromissão humana na construção da paisagem.

    No primeiro momento, as intervenções do atelier de Paulo David, os abrigos, a casa e o centro de artes, revelam o reconhecimento de uma autoridade última na resposta da natureza. Há nestas obras uma lucidez sobre o modo como se reescreve a paisagem, como se reconstrói, admitindo a resposta do contexto como a palavra decisiva sobre o problema. É um desenho que aguarda a réplica, o epílogo escrito quando o lugar absorver, resistir e redesenhar a proposta original. A arquitectura de Paulo David entende que a incisão que o desenho faz na Terra é o culminar de um entendimento profundo do lugar onde se inscreve. A imposição da mão, o “malicioso polegar” terá de se recolher para dar espaço à revelação de um território. Essa construção humana que, silenciosamente inscrita em cada lugar aguarda, desde a origem dos tempos, ser revelada. Paulo David desenha, na expectativa da reconciliação íntima com a Terra, repondo a orografia, deixando ver o horizonte, prolongando a matéria do solo ou redescobrindo a ruína e, em cada caso, aceitando a dádiva.

    Neste modo de operar denuncia-se o cuidado com que os dedos tocam a paisagem, trabalho de atenção e delicadeza conhecedor da força telúrica com que a Terra testemunha, resiste e responde. O desenho fixa a sua estrutura mas, em simultâneo, revela o segredo oculto, vincula-se ao lugar, materializa-se como uma consequência natural da evolução do território.

    A arquitectura aceita esta condição da Terra, a lucidez de que a resposta da paisagem é a pedra de toque do acerto da intervenção. A mão de Paulo David desenha elevando para deixar ver o horizonte ou esculpe para subtrair o vazio que se esconde no solo. Procurando a evidência invisível que o território oculta, os dedos não atormentam mas tacteiam, não para se esquivarem ao conflito mas para, por fim, abrirem a incisão com a precisão da poesia.

    Num segundo momento, actual, expõe-se as quatro intervenções e escolhe-se, uma outra vez, tactear, tocar o espaço da galeria tangencialmente. Não impôr mas sugerir, não obstruir o espaço mas escolher um suporte feito de transparência. Não expor o desenho técnico mas insinuar uma linha delicada sobre um registo fotográfico dos diferentes lugares de intervenção. Não encostar aos muros mas revelar o avesso. E por fim suspender.

    Num e noutro momento manifesta-se a contenção da acção. Num exercício de suspensão, apneia do gesto arquitectónico, os dedos que desenham recuam para ouvir o lugar e aumentar a precisão do toque. Aqui o Arquitecto ouve de muito perto o ritmo da terra, desenha e aguarda em silêncio a resposta da Primavera.

Antero Valério


[12.12.2015 - 30.01.2016]
Galeria Câmara Clara

  • Isto é arte? Esta é uma pergunta que muitas vezes ouvimos em galerias de arte e museus.

    Afinal o que é uma obra de arte? O que é o trabalho do artista ou “operador plástico”? Robert Rauschenberg dizia que nenhum artista honesto “produz” arte. Ama arte. Vive arte. Faz aquilo que é impelido a fazer e que ninguém o pode impedir de fazer. Básicamente, os artistas trabalham por impulso. Não é uma escolha, é uma necessidade de fazer coisas.

    Essa necessidade é um veículo de transmissão de informação relativo à sua actividade mental. Nesta linha de pensamento, Marcel Duchamp foi ainda mais longe ao definir o artista como alguém capaz de repensar o mundo e refazer o significado através da linguagem, em vez de ser apenas produtor de objectos para o prazer visual. A comunicação esteve sempre presente naquilo a que chamamos artes plásticas e tem adquirido diferentes formas de expressão e linhas de pensamento ao longo dos tempos.

    A presença da ideia, do conceito, tornou-se frequentemente mais forte do que a presença formal do objecto.

    No seu “What thinks me now”, John Baldessari escreveu estar menos interessado na forma que a arte toma do que no significado que a imagem evoca.

    Os trabalhos desta exposição são resultado de ideias concretizadas ao longo de anos para meu próprio prazer. Decidi agora apresentá-los. Aprecio a ambivalência entre a imagem e a palavra. Ambas usam códigos para transmitir a sua mensagem.Se uma imagem vale por mil palavras, posso dizer que uma palavra, uma frase, provocam em mim muitas imagens. Penso que a arte está, acima de tudo, na cabeça do observador. No seu “banco de memórias interno”. O conceito é transferir informação de um objecto para uma outra memória e desencadear novas associações de ideias.

ESAD. Caldas da Rainha
Flash Back

[12.09.2015 - 31.11.2015]
Galeria Câmara Clara

  • Curadoria: Pedro Letria e Emanuel Brás

    Alunos: Abílio Barbosa, Ana Margarida Machado, Ana Mouro, Ana Pereira, Ana Sousa, Anabela Rodrigues, Anabela Alves dos Santos, ngelo Pacheco, Alexandra Matos, Bernardette Ermida, Carolina Rocha, Catarina Cabrita Ramos, Carla Cabanas, Carlos Bunga, Carolina Parrinha, Catarina Godinho, Cátia Ferreira, Daniel Lopes, Diana Conde, Diana Patacão, Diogo Martins, Elisa Sousa, Eunice Ribeiro, Fábio Ventura, Filipe Silvério, Gaja Kutnjak, Gonçalo Almeida, Gustavo Santos, Hélder Gorjão, Helena Branco, Hugo Dias, Inês Gomes, Ivo Andrade, Janete Penedo, Jessica Gomes, Joana Cabete, Joana Simões, João Ferro Martins, João Machado, João Serpa, Jorge Gomes Moreira, Juliana Oliveira, Luís Aguiar, Luís Alves, Luís Rocha, Lara Portela, Laura Ferreira, Maria Conceição Lourenço, Manoel Jack, Mauro Mangas, Marco Leirosa, Micael Silva, Miguel Croft Dantas, Milton Pacheco, Mónica Landim, Patrícia Faustino, Patrícia Reis, Paul Grosz, Pedro Barreiro, Pedro Jafuno, Rebeca Garcia, Ricardo Petinga, Rodrigo Peixoto, Rute Raposo, Samuel Rama, Sara Bernardo, Sara Vieira, Thomas Mendonça, Tiago Lopes, Thierry Ferreira, Vieira Pereira.

    Com curadoria de Pedro Letria e Emanuel Brás, a exposição Flashback reúne uma seleção de fotografias contemporâneas que foram desenvolvidas por um corpo de 72 Artistas Plásticos formados pela Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha (ESAD.cr).

    Esta mostra encontra-se integrada nas comemorações dos 25 anos da Escola e pretende tornar manifesto uma praxis contemporânea diversificada e transversal através da fotografia, criando um espaço de (re)união de artistas que partilham experiências académicas, promovendo o resultado das investigações individuais sustentadas e debatidas entre professores e alunos de artes plásticas da ESAD.cr.

Rita Magalhães
Espelho Negro

[06.06.2015 - 31.07.2015]
Galeria Câmara Escura

  • Texto: Bernardo Pinto de Almeida

    A fonte do puro olhar. A fotografia de Rita Magalhães foi, desde o seu início há quase duas décadas, percorrida por um intenso, desmedido desejo de pintura. Como se a artista compreendesse que, desde sempre, a memória da pintura enquanto tradição de produzir imagens inevitavelmente habitou a fotografia qual cena primitiva. E como se, através desta última, ela procurasse constantemente voltar sobre essa cena primeira, fundadora, original e originária.

    Nesse sentido se poderia afirmar que o olhar da Rita é como o de Ulisses. É um olhar que incessantemente ali regressa, e a si regressa, como se essa fosse a fonte verdadeira de todo o olhar que foi, é e será. Procurando reconhecer o que apenas se entreviu, uma vez apenas, talvez, ou então o que tão-só se imaginou e sonhou ver-se. O que abre para o campo do que desejou ver-se. (…)

    Assim, este olhar da artista vai percorrendo o mundo, vendo à sua volta, curioso como o da criança procurando em cada coisa o seu sinal mais secreto, a porta que aos poucos se descerra, o aviso discreto de que algo se aproxima e se divisa ao longe, ao mesmo tempo terno e violento, como no entreabrir das pálpebras depois do sonho, porém ainda antes do acordar. Mas algo que também jamais se poderá captar, pois que se captado para sempre também se perderia.

    Um olhar todo nascido no silêncio, como se espera sempre do olhar próprio da contemplação, ao mesmo tempo distraído e atento, curioso e indiferente, interior e exterior, película finíssima entre os dois. O que ele capta, então, não são as coisas tal como as vemos, nem as imagens das coisas que nos despertam para elas mas em seu lugar o antes e o depois de elas já serem, ou terem sido. O que fica no meio e as surpreende no caminho de serem. (…)

    Um olhar assim devolve às coisas o seu mistério, não as quer desenhadas e nítidas, ou abstractas, mas antes cheias de símbolo e distância, operando como agentes de metamorfose. Transfigura. Por isso as cidades que ele vê têm distâncias, luzes, poeira de oiro, uma bruma que dissolve os contornos das coisas como a humidade que sobe do mar ou do rio, e que parece transfigurá-las como se sob a luz vaga de alguma aparição. As cidades fundem-se, alucinatórias quase liquefazem-se, as suas personagens são líquidas e atravessam-nas como se perdessem nelas a forma da inteireza. E a própria luz é um manto que se estende sob o olhar. Não há contornos mas cores, manchas, surdas reverberações de luz e de atmosfera sob um enigmático prisma. (…)

    Depois das séries que dedicou a Vermeer ou Caravaggio, Ingres ou Délacroix, não surpreende agora que a artista queira mergulhar nesses abismos simbolistas para onde a chama o seu temperamento sonhador de pintora que pinta com a fotografia. (…)

    E na era da fotografia, Rita Magalhães pinta com as suas fotografias sem ver nisso qualquer problema, bem pelo contrário, já que num plano mais íntimo, que é o da imagem, nada diferencia a pintura da fotografia, antes uma ecoa na outra.

    Porque a pintura nasce dessa vontade, desse desejo de fixar não as coisas ou a sua imagem mas tão só a impressão das coisas e do mundo, dos seres e das atmosferas, o modo como elas afectam o olhar. (…)

Editora Ghost
Souvenirs from Europe

[22.04.2015 - 31.07.2015]
Galeria Câmara Clara

  • Iniciado em 2013, ‘Souvenirs from Europe’ é um projecto da editora portuguesa GHOST. Reúne uma série de cartazes concebidos por artistas (fotógrafos, designers, performers, artistas visuais) que vivem e trabalham na Europa. Foi-lhes pedido que criassem um souvenir político do nosso tempo, ou que escolhessem um “objecto de protesto” (tal como existiam canções de protesto nos anos 1960-70). O resultado final toma a forma de uma exposição portátil (facilmente transportável em tubos de cartão) que é proposta e enviada a espaços de arte (galerias, teatros, livrarias) na Europa.

    O projecto já foi apresentado em Bruxelas, Atenas, Paris, Kiev, Lisboa, Lille, Guimarães e Lagos. Está actualmente em exposição no Centro Galego de Arte Contemporânea de Santiago de Compostela (Espanha), no Colégio das Artes em Coimbra e na Galeria LENDROIT em Rennes (França). Será apresentado na Rosa Luxemburg Foundation (Berlim, Alemanha) em Setembro de 2015, nos Maus Hábitos (Porto) em Janeiro de 2016.

    Mais informação em:

    http://ghost.pt/souvenirsfromeurope.html

Vasco Torres
Cronografias de Torres

[28.03.2015 - 16.05.2015]
Galeria Câmara Clara

  • Curadoria: Inês Mourão
    Texto
    : Inês Joaquim

    Tendo como ponto de partida o tema das Linhas de Torres ontem e hoje, nesta exposição estão presentes não só as Linhas de Torres (Vedras), mas também as Linhas de (Vasco) Torres, as linhas em que se baseia o trabalho artístico deste pintor que adoptou há já longos anos a cidade de Torres Vedras como sua casa.

    Como o título da exposição sugere, as imagens nela apresentadas acabam por ser cronografias - narrações escritas e/ou visuais segundo a ordem dos acontecimentos; crónicas; registos gráficos de intervalos de tempo no decurso de uma observação (como se pode ver em qualquer dicionário). Este conceito é aqui adaptado às artes plásticas e retomado na curadoria de uma exposição em cujas obras surge um cruzamento de referências de ontem e de hoje sobre uma marca territorial e estratégica - as Linhas de Torres - que foi absolutamente determinante no desenrolar dos acontecimentos históricos integrados na Guerra Peninsular do início do século XIX, os quais ainda hoje, mais de duzentos anos volvidos, continuam a ser relatados e celebrados.

    Vasco Torres convida-nos assim a lançar um novo olhar sobre a História e as histórias por detrás da História, ora (re)visitando-a, ora, de modo inverso, trazendo as Linhas de Torres das sombras do passado para a luz (mais ou menos difusa) da contemporaneidade, através de uma simbiose de registos reminiscentes de diversas correntes artísticas, desde o expressionismo à arte conceptual ou ao dadaísmo, passando ainda por uma aparente influência de outras disciplinas das artes visuais, como a fotografia e o design gráfico. No âmbito destas opções, próprias da identidade artística do pintor, intervêm a reinvenção, recontextualização e subversão de recortes de imagens, palavras, frases e símbolos, conjugados nas suas “colagens-documentário”. Esses elementos são aqui combinados de forma original, adquirindo novos significados, por vezes, com uma certa dose de humor e irreverência, e com os tons monocromáticos e sóbrios do preto e branco a serem envolvidos e reanimados pelas manchas expressivas de cor, em que predominam o azul e o vermelho - a três tempos, as cores de França, as cores do Reino Unido e as cores de Torres Vedras.

    Nestas cronografias visuais desfilam desde as figuras históricas que protagonizaram os acontecimentos ligados às Linhas de Torres, aos actores que as representaram no filme “Linhas de Wellington”, numa interessante ponte entre passado e presente que quase faz com que pareça que nesses rectângulos de cor e não-cor, de luz e sombra, de linha e mancha, a pintura e a assemblage de registos gráficos nestas “colagens-documentário” se transformam numa outra dimensão, em que espaços e tempos se confundem, em que pedaços de História(s) e de contemporaneidade(s) se tocam, e em que aquelas personagens nos olham e querem ser olhadas.

Cláudia Clemente
Playing With Myself

[21.04.2015 - 31.05.2015] 
Galeria Câmara Escura

  • Em Playing with myself, Claudia Clemente revisita e recria cenários reminiscentes do imaginário colectivo, utilizando desde estereótipos e convenções sociais a personagens cinematográficas e figuras históricas ou tradicionais, com o objectivo de explorar o modo como estas imagens encenadas e já enraizadas no universo imagético da sociedade intervêm nos mundos interiores dos indivíduos que a compõem. Para isso, a artista retrata-se e reinventa-se a si própria na pele dessas personagens, provocando uma certa tensão e desconforto nos visitantes que as vêem, através do recurso ao absurdo e ao humor satírico e, por vezes, negro.

    “Só vivendo absurdamente se poderá chegar a romper alguma vez este absurdo infinito.”

    (in Rayuela, Júlio Cortázar)

    “Entendo o humor como o derradeiro bastião de resistência possível, e a sátira como uma forma de sobreviver a um mundo cada vez mais absurdo, hostil e ininteligível.

    Esta série, iniciada em 2010, consiste num conjunto de encenações aparentemente simples recorrendo a uma multiplicidade de personagens: desde clássicos do Cinema (“Os livros” a citar “Os pássaros” de Hitchcock, a “Supermom” a aplicar os seus super-poderes às exigências do quotidiano, o “007” de arma e dry martini em punho) até ilustres figuras históricas nacionais (“São rosas, Senhor!”), revisitando ícones da cultura tradicional portuguesa (a varina, o galo de Barcelos) e passando por muitos outros paradigmas ou elementos do imaginário colectivo – a fénix, a sereia, a dona de casa perfeita – nos quais me revejo ou reinvento. Contrariando essa aparente simplicidade nas encenações existe uma deliberada artificialidade nas poses e na iluminação, que nos recorda que nada há de natural nestes seres-sombra, nestas criaturas-reflexos. Com o absurdo retratado nestes personagens pretende-se criar uma tensão, causar um certo mal-estar, produzir aquele riso nervoso que arrasta o observador e o retira da sua zona de conforto. Mergulhemos pois no território sinuoso da introspecção, dos sonhos, da escuridão – o perigoso mundo do interior de nós mesmos.

Tim Etchells
Empty Stages

[17.01.2015 - 06.04.2015]
Galeria Câmara Escura

  • Curadoria: Luísa Santos e Carpe Diem Arte e Pesquisa
    Texto: Tim Etchells


    Somos de várias formas tentados a pensar estas imagens como fotografias de espectáculo, quanto mais não seja porque olhá-las faz-nos imaginar o que nelas poderia ocorrer. Há palcos com detritos espalhados e outros completamente limpos, outros ocupados com materiais de algum evento futuro e ainda outros cheios de objectos que não têm qualquer ligação óbvia com o espectáculo. Olhar para estas imagens é uma questão de expectativa - o palco vazio aguardando a sua acção, como uma página em branco ou um ecrã de computador vazio à espera de palavras.