Jornal Área 1979—2009

No dia 22 de Setembro de 1978 dezoito jovens reuniram-se na praia de Santa Cruz, em casa do Fernando Mouro e da Manuela Ribeiro, não com o objectivo de preparar uma ida a banhos, mas para fundar um jornal. Parecia fácil. Era, pelo menos, esperançoso concretizar algo para poder partilhar com os outros as alegrias, as críticas e as expectativas do novo tempo. Ainda não era bem um jornal — a ideia era mais a de uma "revista". Gente corajosa, não temia quaisquer obstáculos. Todos se dispuseram a colaborar nas diferentes parcelas de trabalho. A coisa era ambiciosa: desde a história e a educação, até à música, literatura, cinema, ecologia, religiões, fotografia, psicologia, sociologia, política, teatro, saúde... Só. Primeira decisão: organizar um grupo para marchar até Lisboa, onde se realizariam contactos com agências publicitárias, gráficas, distribuidoras, sindicato dos jornalistas. Objectivo: perceber as condições concretas para começar a construir uma publicação com estruturas sólidas. A 10 de Outubro foi enfim possível encontrar os responsáveis pelos assuntos principais: criatividade, direito à diferença, informação, teatro, sociedade em análise, bd, música...

(…) Quem ou que organização assumiria a propriedade legal da publicação? Achou-se que este problema seria resolvido com a criação de uma cooperativa cultural—que vem a denominar-se "Cooperativa de Comunicação e Cultura". (…) O título do jornal começou a ser debatido nas primeiras reuniões de Novembro. O nome “ÁREA” curiosamente, nunca foi mencionado e não aparece nas hipóteses em discussão registadas nos papéis do Venerando, mas veio a ser o escolhido numa reunião em que foi proposto pelo Ceia.

(…) A Cooperativa assumiu então o papel de suporte legal do jornal e passou a promover diversas actividades culturais, para apresentação da ideia à comunidade. A primeira realiza-se em 18 Novembro de 1979, já com Torres promovida a cidade, para lançamento do número 1 do ÁREA — "1º. Passeio de Domingo — Um itinerário histórico em Torres Vedras", orientado por Cecília Travanca e Manuela Ribeiro. O jornal insiste numa tonalidade local, aberta à inquietação e à diversidade cultural. Durante muito tempo o público se interrogou, perplexo sobre "quem estaria por trás deste arraial de putos" — isto é: que partido movimentava as tropas? Nunca o desvendaram, pela elementar razão de não haver nenhum! Os jovens (na maioria estudantes e professores) queriam apenas agir, com prazer e sentido cívico. Não havia uma identidade ideológica (muito menos partidária), mas neutralidade também não. Aquilo era uma equipa para quem uma ideia base era imprescindível: democracia.

(…) O jornal, "mensal", publicaria até Junho de 1981 treze edições... O número seguinte sairia um ano depois, em Junho de 1982, dirigido agora por Luís Filipe Rodrigues, homem corajoso e generoso — talvez a autoridade serena que a coisa pedia. Número 15, Junho 1983; número 16, Novembro 1984; número 17, Abril 1990, número 18, Novembro 1999; número 19, Outubro 2009... Esta sequência diz tudo sobre a morte lenta — várias vezes adiada — de um projecto editorial cujas bases amadoras não eram, notoriamente, suficientes. A coragem precisava de estrutura.

(…) Quarenta anos se passaram. A sede da Cooperativa de Comunicação e Cultura, na rua da Cruz, continua aberta e as actividades sucedem-se, em menor número que há vinte, trinta anos, mas prosseguindo a ideia teimosa de criação de um clima cultural. Torres Vedras: mesmo que o não queira ou não saiba merece o trabalho inovador deste novo "arraial de putos"...”

Ceia, Aurelindo Jaime, Rodrigues, Luís Filipe. (2021). Área, nascimento e vida. Em Pequenas Crónicas, Grandes Memórias, (pp.9-12). Cooperativa de Comunicação e Cultura Torres Vedras